Obra estuda comercialização de energia elétrica sob nova perspectiva


Autora critica “o engessamento de ideias e o vício de soluções e jargões”, e defende que “jurista deve cada vez mais ter uma mente aberta, intercalar e intercambiar conhecimentos”

A Editora de Castro publicou livro que estuda tema sob ótica pouco explorada do Direito Civil: a comercialização de energia elétrica. Fruto da tese de doutorado de Andréa Silva Rasga Ueda, a obra se intitula “Os contratos de comercialização de energia elétrica: uma análise sob o prisma do Direito Civil”.

“A temática é sempre tratada à luz do direito administrativo, uma vez que a compra e venda da energia elétrica afetam a regulação feita pela ANEEL, agência reguladora nacional, e, por ser uma agência pública, quem faz análises e estudos de casos sobre o tema, no geral, são os administrativistas”, explica a doutora pela USP.  

Ela elucida ainda que, como a compra e a venda da energia elétrica ficam restritas ao mercado livre, que igualmente é observado sob o enfoque do direito administrativo, os chamados juristas civilistas acabam não se aventurando no estudo do tema pela perspectiva do Direito Civil:

“O mercado livre é o espaço onde comercializadoras de energia fazem a negociação desse bem entre agentes do mercado, aproximando geradoras, distribuidoras e compradores, no geral, empresas. Assim, ante a conjugação de tais fatores, decidi estudar esse tema relevante, até por que atuei próxima ao tema e o julgo de grande relevância social, pelo quê o jurista deve sobre ele se debruçar, de modo a trazer luzes e novas ideias, permitindo as melhorias constantes e necessárias”, explica a advogada.

 

LACUNAS

 

No livro, ela afirma ser lamentável que o contrato de comercialização de energia no mercado livre ainda não tenha sido analisado sob a ótica civilista. Tal lacuna, segundo sua avaliação, acarreta consequências negativas: “O tema, ficando adstrito a uma única esfera do Direito, no caso, o Administrativo, acaba recebendo os mesmos enfoques, as mesmas interpretações e, portanto, o Direito tende a dar as mesmas respostas a uma realidade que pode e deve ser olhada sob um enfoque jurídico distinto, o do Direito Civil, pois, como disse, isso trará novas luzes e melhorias nas situações reais (por conta da discussão do tema de forma mais ampla)”.

Ela avalia ainda que os operadores do Direito, deixando o tema restrito à esfera administrativista, perdem novas visões, interpretações, e novos ares que seus colegas juristas e acadêmicos civilistas poderiam trazer. Perdem também os entes públicos, pois, sem mudanças de pontos de vistas e interpretações sobre o tema, o modelo desenhado pelo administrador público fica engessado e, como consequência, os modelos de instrumentos jurídicos usados ficam defasados/anacrônicos e, possivelmente, em descompasso com as mudanças e novas abordagens mundiais sobre o tema.

“Perdem, em consequência, os consumidores, pois, no ciclo vicioso de manter-se as mesmas interpretações e os mesmos modelos, as vantagens e os ganhos econômicos e sociais deixam de despontar cedo ou vem vêm muito tardiamente, em um completo desserviço público”, afirma a pesquisadora.

INCERTEZAS E NOVOS CAMINHOS

“Não há certezas, mas aqui serão abertos caminhos para se inaugurar uma discussão maior acerca do por que esse bem [energia elétrica] ainda não foi mais amplamente estudado e avaliado sob a ótica civilista”, escreve Andréa Silva Rasga Ueda em seu livro.

E qual possível explicação?    

“Minha hipótese é, infelizmente, baseada em dois fatores que maculam a trajetória do Direito”, ela afirma.  Primeiro: o Direito corre sempre atrás dos fatos e, portanto, a realidade dispara na frente e os juristas devem correr para alcançá-la.

“O segundo fator é mais difícil de se aceitar no meio jurídico, mas igualmente presente, é o ‘feudalismo’ de informações entre os diversos ramos do Direito”.

Mas o que isso significa?  

Significa que, em razão da divisão do Direito em diferentes áreas, ele acabou segmentado de tal forma que os juristas acabam não se falando entre si: “Fecham-se em grupos de discussões entre os membros de um mesmo tema ou campo de atuação, o que gera o engessamento de ideias e o vício de soluções e jargões”, explica a autora, que ainda defende:

“Hoje em dia, o jurista deve cada vez mais ter uma mente aberta, intercalar e intercambiar conhecimentos (inclusive fora do Direito, veja o tema das novas tecnologias, o que não é diferente no campo da energia elétrica), e buscar encontrar soluções mais ajustadas e adequadas à realidade mutante. Assim, unindo-se em prol dessa troca, ganham todos, em especial a sociedade, cliente constante da ciência jurídica”.

Luiz Felipe Adurens Cordeiro

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