Da Educação – Parte 4

 

Roteiro de ações:

  1. Sala de direção: para um ambiente acolhedor, um quadro na parede onde aparece Charles Chaplin protegendo uma criança e, ao lado, um vaso de flor.   Uma mesa de reuniões pedagógicas no lugar de um móvel sombrio mais apropriado para um delegado de polícia, assim, o diretor não se coloca acima das pessoas presentes ao desempenhar o papel de uma autoridade ameaçadora constrangendo a liberdade da fala do outro. Aquelas que entravam na sala para uma “audiência” deveriam se sentar de frente e ao lado num mesmo plano da mesa. Evitava-se conversar com apenas um aluno. Quando um professor encaminhava o aluno “faltoso” para ser advertido pelo diretor, eu sempre dizia: sala de direção não é covil de onça. Nela o aluno deveria dialogar com a direção e receber orientação, cuja “punição” era quase sempre convertida em tarefa educativa. O diálogo com mais alunos juntos ao dito aluno “faltoso”, tinha sempre como objetivo mostrar que ele nunca estava sozinho – sempre tinha seus adeptos que o avaliava e às vezes o apoiava em suas faltas.

(Um fato: um dia, a “mão do alheio”, levou o quadro de Charles Chaplin. Mas, não demorou muito, substitui Chaplin por um de Ernesto Che Guevara, argentino, herói da Revolução Cubana. A importância desse quadro é que nele havia uma inscrição dita pelo herói: Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás. Pensei tratar-se de numa bela chamada para a prática do administrador escolar. O problema é que uma “nova mão alheia” retirou o quadro, quando me afastei, por motivo de viagem, ao Nordeste para ministrar cursos de gestão escolar. Era a época da ditadura militar, e o delegado de ensino julgava ser ato subversivo a presença de um quadro expondo a figura de um líder comunista revolucionário na sala da direção.)

  1. Os professores se queixavam muito da indisciplina comum na escola. Neste caso, foram tomadas duas providências: indicar, para cada período de aula, um professor-inspetor responsável pela disciplina. Somente os casos “mais graves” eram encaminhados à direção. Um caso que me veio para intervir por se tratar de verdadeira rotina na escola: as “festinhas” diárias de aniversário regradas a ovos e farinha. Foi dada a seguinte tarefa ao grupo que promoveu a “farra” do ovo: trazer duas dúzias de ovos e dois quilos de farinha e fazer uma doação a uma entidade acolhedora de crianças pobres. Além de escolherem essa entidade, acompanhados por um professor, deveriam entregar os ovos em mãos das crianças e fazer relato verbal ao diretor do ato solidário. Qual foi o retorno desse relato verbal: a direção teve a oportunidade de mostrar que o desperdício de alimentos é uma prática intolerável num mundo onde crianças passam fome; 2 que o ato solidário é o primeiro degrau para se formar cidadãos, além de ser a melhor “aula” de educação moral e cívica. Esse mesmo grupo de alunos tomara a iniciativa de organizar movimentos internos na escola para dar assistência à Casa da Irmã Celeste – entidade escolhida por eles – fornecendo alimentos de primeira necessidade e agasalhos. E nem só isso: organizavam visitas mensais com a apresentação de peças de teatro, jogral, música, em homenagem aos aniversariantes do mês.
  2. Com o apoio da direção, os alunos organizaram a formação de um Grêmio Estudantil, observando a seguinte agenda: impressão e divulgação de uma carteirinha do dever cívico tendo como inspiração, na introdução, de artigos da Carta dos Direitos Humanos contemplados pela ONU e itens da Constituição Federal. Acresce ainda, nesta mesma carteirinha, de recomendações dos próprios gremistas sobre a necessidade de um comportamento exemplar no interior da escola traduzindo em ações que vão desde o aparelhamento da escola com recursos técnicos – televisão, áudio-visual, projetor de cinema, livros, jornais e revistas para a biblioteca. Ao resguardar a lisura dessa atividade, ao autorizar a realização de uma gincana por bimestre, sempre nos fins de semana, a direção indicou a responsabilidade de supervisão a um professor e um membro da Associação de Pais e Mestres. Não se recomendava receber dinheiro, mas em espécie. Os recursos em dinheiro para atender às necessidade do Grêmio eram administrados e obtidos pelo seus dirigentes com a venda de camisetas, bolsas, material escolar.
  3. A escola programava para cada semestre práticas de ensino endereçadas à figura de um escritor reconhecidamente importante para nossa formação cultural. Foi uma tentativa de integrar ensino e cultura nacional a partir de um núcleo aglutinador de conhecimentos. Euclides da Cunha foi o primeiro desta jornada. Assim, os professores de língua portuguesa introduziam temas ligados a estilos lingüísticos a partir da abordagem euclidiana estimulando o aluno a lidar com a língua erudita e a língua popular. Os professores de história propunham estudos sobre os conflitos sociais; os de geografia sobre um ambiente dominado pelo mato seco (caatinga) e que moldava o perfil do sertanejo nordestino; professores de língua estrangeira levavam para a sala de aula a versão original para o inglês de Os Sertões e discutiam por qual motivo o tradutor da obra euclidiana preferiu usar “Rebelião em Terra Negra” a Os Sertões; professores de ciências biológicas propunham estudos sobre as doenças mais comuns presentes no ambiente tropical e árido nordestino; professores de matemática e física colaboravam com a divulgação estatística sobre migrações nordestinas para a cidade de São Paulo e com os problemas inerentes a uma cidade não preparada para recebê-los; a Associação de Pais e Mestres, com recursos próprios, proviam a biblioteca da escola com todas as obras escritas por Euclides da Cunha, além de trabalhos críticos sobre o autor. Ao final do semestre premiava-se o aluno autor da melhor redação programada para toda a escola e executada em sala de aula. Para o segundo semestre já estava indicado o tema nuclear aglutinador: Vidas Secas, de Graciliano Ramos.
  4. A escola contava com uma grande sala de espetáculo teatral, apresentações de cunho cívicas, musicais, cinema, palestras, teatro. Tínhamos que aproveitar o uso da Sala, integrá-la aos projetos educativos da escola. Para isso convidamos professores e alunos a fim de organizarem atividades que nela se desenvolveriam internamente. Assim, a direção da sala foi colocada sob a orientação e responsabilidade de um professor para cada período letivo e com a participação de alunos convidados. Com a ajuda da Associação de Pais e Mestres foram adquiridos aparelhagem de sons e projetor de cinema. Aos sábados e feriados os próprios alunos alugavam filmes e os projetavam com o objetivo de arrecadarem fundos e aplicá-los na compra de livros para biblioteca. Organizavam-se grupos de estudos sobre a criação e projeção de filmes, procedimento que dava como resultado a produção de filme de pequena metragem. Ao final do ano realizava-se um pequeno festival com a presença de críticos convidados de cinema. Os melhores trabalhos recebiam prêmios auferidos por casas comerciais do bairro. A Escola era procurada por pequenos grupos teatrais para realizar ensaios em seus intervalos. A Escola não fechava as portas para esses grupos, mas exigia um compromisso: primeiro, que o grupo acolhesse alunos regularmente matriculados a compartilhar de seus estudos e apresentações e, segundo, que a primeira apresentação do grupo fosse no teatro da própria escola.
  5. Foi montado na escola uma pequena sala de som para, durante o recreio, apresentar composições de autores clássicos – Sebastian Bach, Frederich Chopin, Amadeus Mozart, Antonio Vivaldi, Villa Lobos, etc precedido sempre com pequenas informações sobre a vida do compositor. Procurava-se também a apresentação equilibrada de composições populares brasileiras, cujas letras eram motivos para os professores de língua portuguesa incluírem em sua planilha de estudos.
  6. O recreio é, guardadas as devidas proporções, uma grande sala de aula. É nele que se dá a legítima integração entre os alunos e onde circulam livremente informações, surgimento e reforço de amizades duradouras – conflitos que mais expressam a manifestação de vida e a oportunidade da Escola de acompanhá-los sob um estrito enfoque educativo. É uma grande oportunidade para a direção da escola se apresentar e compartilhar das conversas descontraídas dos alunos, livrar-se de sua autoridade burocrática – ganhar e reforçar uma autoridade construída na amizade e no respeito. O recreio não deve ser usado para exposição de avisos e propagandas. É onde deve predominar a limpeza, e a exposição de um trabalho de arte, uma fotografia sugestiva sobre a paisagem brasileira, escritos sobre poemas. Os famosos avisos de Secretaria devem ter local especial isolado do recreio.
  7. A Escola mantinha a tradição de uma bienal de artes: desenho, pintura, grafismo. O sucesso era sem medidas e trabalhos eram estampados na imprensa local além de noticiários telesivos. Alunos bem sucedidos da exposição seguiam carreiras ligadas às artes plásticas matriculando-se no Liceu de Artes e Ofícios do Estado. Um desses alunos foi convidado a fazer uma pintura num pequeno divisório do interior da escola. O objetivo era: preservar um possível talento em artes a deixar sua passagem registrada no seu ambiente de formação. Será que a Escola por onde passou Portinari teve essa ideia?
  8. Foi estimulada a criação de uma Academia de Letras com o nome de um patrono – Euclides da Cunha. O objetivo era estudar e preservar a memória de nossos pais fundadores de cultura literária brasileira: Machado de Assis, Lima Barreto, José de Alencar, Graciliano Ramos, Cecília Meireles e outros. O importante nessa Academia era homenagem que se prestava a escritores vivos. Eles eram convidados a uma visita na escola, passar por uma entrevista dos alunos, realizarem seção de fotos, autografar seus livros doados por eles mesmos ou adquiridos pela Associação. A Academia seguia o modelo da Academia Brasiléia de Letras. O aluno eleito entre seus pares a ocupar determinada cadeira, recebia como tarefa realizar estudos sobre seu patrono e apresentá-los em seções adrede preparadas e inscritas no calendário escolar.
  9. A Escola realizou como tarefa, estimulada e controlada por professores de ciências sociais, a um levantamento de endereços de profissionais liberais (médicos, advogados, engenheiros), artistas plásticos, lideres políticos, com o objetivo de eventuais convites para uma visita em sala de aula e a exposição de problemas e sucessos em suas profissões. Há casos de médicos que se dispuseram a uma consulta gratuita para alunos com problema de saúde. Em relação a obras de artistas plásticos, a Escola abriu as portas para a exposição de seus trabalhos. Registre-se o fato de um artista (pirógrafo) permanecer uma semana no pátio da Escola realizando seu trabalho sob os olhares curiosos de alunos e foi quando alguns deles procuraram ensinamentos mais detalhados desse artista e realizar seus próprios trabalhos.

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