Em um país em que a narrativa, por mais distópica e absurda que seja, substituiu a análise ponderada e racional dos fatos, a madruga do dia 06 para o dia 07 de setembro último suscitou uma série de apreensões, em especial para o cidadão responsável e preocupado com o futuro próximo.

A pergunta que não calava, era: vai ter golpe? Bolsonaro conseguirá mobilizar seus apoiadores para invadir o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, derrubando os poderes da república, dando vazão a seu plano número 1 quando se elegeu presidente? Conseguirá Bolsonaro se tornar o primeiro de uma dinastia de useiros e vezeiros em rachadinhas e pactos com a milícia que carcome o Estado do Rio de Janeiro?

Muitos ficaram apreensivos, trincaram os dentes e acompanharam, em tempo real, a mobilização bovina que ocorreu na Praça dos Três Poderes em Brasília.

Esse estado de apreensão se deveu a pelo menos três fatos:

  1. Uma cobertura acrítica dos meios de comunicação que, no geral, comprou (se é que não vendeu, por ter se vendido anteriormente) a narrativa da #Dia07VaiSerGIGANTESCO;
  2. Analistas e colunistas de grandes jornais que, como regra geral, tendo deixado de fazer o que deveriam – analisar os fatos e descrevê-los com precisão e decoro – se deixaram levar pelas afirmações genéricas, mas nunca comprovadas, de que as Polícias Militares se aliariam aos bolsonaristas na tentativa do golpe, cometendo grave crime militar;
  3. A oposição que, desde 2018, baixou a cabeça e não tem conseguido se mobilizar, talvez porque, entre um debate ou outro sobre Foucault, Derrida e linguagem neutra, esqueceu-se que ela se dá com sandália no chão e poeira na barra da calça, e não por #.

Quem quer que tenha caído no conto #Dia07VaiSerGIGANTESCO e entrou em desespero, ou apostado seus recursos na compra de bandeirinhas e camisas da seleção, exasperou-se por nada, ou apostou em moinhos de vento. Compraram uma narrativa à qual não correspondem os fatos.

E quais são esses fatos?

  1. O Brasil tem atualmente 14% de sua população ativa em situação de desemprego;
  2. A inflação, que carcome mês a mês a capacidade aquisitiva dos salários, está em 7%, com viés de alta;
  3. A gasolina está entre R$ 6,09 e R$ 7,65 no Brasil, inviabilizando o uso dos veículos, além de encarecer os preços de produtos e serviços. Para os trabalhadores de aplicativos como o UBER, a impossibilidade de continuar exercendo a atividade;
  4. O preço exorbitante do gás de cozinha, vendido no Brasil entre R$ 100,00 e R$ 115,00, o que levou famílias a voltarem a usar lenha ou, mais perigoso, álcool, para cozinhar;
  5. 585 mil mortos de COVID-19, a maior parte pela inação criminosa de Bolsonaro em comprar vacinas;
  6. A manifestação concreta de que temos um governo incompetente, criminoso, corrupto e assassino, que pôs a vida do povo brasileiro em situação de pobreza econômica e barbárie cultural, sustentado exclusivamente por milicianos e pastores evangélicos que se pastoreiam a si mesmos e farialimers, que o abandonarão assim que a Eletrobrás e os Correios forem privatizados.

Sejamos claros: a única forma de sairmos dessa bolha de narrativas em que nos encontramos é renunciarmos às # da vida e nos concentrarmos nos fatos.

E os fatos são claros como o sol que nos alumia: o governo já acabou faz tempo e Bolsonaro não tem condições de mobilizar mais grupo algum, salvo os seus apoiadores de sempre. Tivesse ele capacidade de dar o golpe, já o teria feito. Tanto isso é verdade que, apesar do bafafá da noite do dia 06, compareceram menos de 5% dos apoiadores esperados por Bolsonaro, o Diminuto.

O que se viu em Brasília, pela manhã, e em São Paulo, pela tarde, foi o mugido de um bezerro malformado que sabe seu destino, prisão ou morte, pois a vitória já fugiu de suas mãos desde bastante tempo.

Nos cabe nesse momento, portanto, resistir, e não podemos fazê-lo se formos mobilizados e afetados por narrativas, e não pelos fatos, pois estes são evidentes: acabou o que não poderia nem ter começado.

 

Marcus Oliveira é professor de Direito e coordenador do Jus Gentium na UNIR. E publica livros pela Editora De Castro.

Fonte: MíDI – Grupo de Pesquisa em Mídias Digitais e Internet

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