A corrida no corredor da casa antiga

Muitas vezes eu perdi.

É que eu parava para ver

A luz que invadia a fresta da janela.

Por meio do sol iluminando o mundo

Imaginava que Deus queria me ver.

Mas o escuro vencia sempre

Quando meus pais cerravam a janela.

 

Na maioria dos estudos sobre a condição humana, é de bom senso começar por uma reflexão sobre uma velha questão: o sentido da vida. O que é a vida? De onde vimos? Pra onde vamos? O que nos protege? A cidade nos protege? A civilização nos protege? A cidade (a polis) nos ajuda a cumprir com a missão histórica que nos foi dada pela natureza ou apenas nos direciona para evitar um desastre improvável? É possível educar o homem ou apenas controlar seus instintos selvagens? Para que serve a escola como mecanismo de ensino a serviço da educação? Existe uma educação para o ensino ou um ensino para a educação? Por qual motivo permanentemente se discute, como um estigma, a crise da educação? É a crise do homem ou da educação? Os chefes de terreiro das psicologias modernas tentam se apossar da alma humana na presunção de poder salvá-la, mas acabam por aflorar mais seus impasses e vicissitudes. A psicologia seria bem-vinda se ao menos fizesse um pacto com os educadores para ajudá-los a compreender a crise e minimizar seus efeitos. Mas é preciso que ela saia da órbita de uma pequena burguesia delinqüente, que tem recursos para sustentar os “bruxos” da alma. O povo não tem recursos e é ele que necessita da educação e, convenhamos, também da psicologia. O que tem feito as universidades públicas para dar respostas à crise e orientar saídas? Os acadêmicos dos altos saberes estão enredados em torno do preconceito de que a escola tem por função refletir as contradições sociais e, por consequência, não tem como intervir no perverso efeito do processo inibidor da escola. A velha cantilena ainda persiste quando o discurso revela que a escola é pobre, porque a sociedade é pobre. O que assistimos é o espetáculo de uma sociedade fútil e consumista que contamina os objetivos de ensino transformando-os em sistemas de trocas mercadológicas: certificados e diplomas que nada valem em termos de obtenção cultural, mas prestam o serviço estatístico de legiões de empregados desiludidos.

Não há novidades nestas perguntas. Há milhares de anos elas vêem sendo feitas pelos estudiosos e muitas vezes desiludidos da condição humana, por não encontrarem facilmente respostas que nos ajudem a superar nossas inquietações. Mas o importante é que – e isso é um recado ao educador -, tudo que compõe o universo da cultura, tudo o que nos define como seres humanos dotados de uma linguagem, de um sistema de comunicação, de valores morais, de política, de religião, de arte, etc. tudo, resultou de um esforço humano para dar respostas às indagações sobre o sentido da vida. O homem se sente frágil ao constatar a precariedade de sua vida, desse sentimento nasce a religião e, iludido ou não, ele se sente confortável entregue ao domínio ideológico de um Deus silencioso cujo discurso de valores é alimentado por uma legião de defensores da fé e que, se não salva o homem, salva pelo menos seus defensores da precariedade de suas existências.

Estas reflexões são endereçadas ao educador. Não o forçaria a responder a todas elas, mas indicar que o educador – que eu o chamaria por meio de uma metáfora “o guarda da torre da civilização” -, deve sempre ter presente que ao propor formar cidadãos livres (o aluno), no fundo de tudo, ele, muitas vezes sem o saber, participa na tarefa de sustentar os fios de novelo de Ariadne que nos levam a caminhar seguros na direção da luz que está sempre ao final do túnel – um sempre que nunca termina. Se a vida não tem um sentido, é fácil perceber que o sentido ao menos não nos é dado de graça, mas ele é buscado, construído e seu resultado compõe esse vasto universo cultural de valores expressos nos objetos que nos rodeiam – pontes, estradas, conquistas do espaço -, nossa linguagem presente nos meios de comunicação – nossa escrita literária -, as artes de um modo geral – a pintura, a música, a escultura, a dança, o teatro, o esporte, etc. – e na ponta desse universo se situa as instituições de ensino cujo papel é o de garantir às novas gerações o conhecimento de nossa história cultural e prosseguir em conquistas necessárias para superar os novos problemas que nos desafiam. As crises internas nas escolas decorrem em grande medida que o conhecimento desse vasto universo cultural não está sendo adequadamente transmitido e, como consequência, seu usuário se sente estranho a uma casa para a qual ele não foi convidado. A comida (a cultura) que lhe é servida não tem tempero, não tem significado para as exigências de sua vida, que é a busca do prazer de viver, que nasce dos inúmeros apelos da propaganda consumista, do sucesso sem esforço, das banalidades mercantis, num mundo que enterra o passado, joga penumbras no futuro, e exalta o presente na busca frenética de seus encantos passageiros, mas reais e que tem sentido para seus usuários. As drogas enfim passam a ser uma saída para os exilados do presente encantador.

Existem algumas saídas para dar à escola uma função digna que poderíamos chamá-la de uma escola da educação e superar uma escola sem educação? Vou sugerir alguns rumos centrados na idéia de uma escola da práxis, a saber, uma escola em que os saberes são valores indecomponíveis entre técnica e saber – numa Utopia – utopia que é feita para não ser realizada, mas para provocar inquietações, redirecionar alguns rumos, enfim, recriar uma escola que ainda permanece fora do tempo e do espaço, sinalizada apenas na memória e cobrança de John Dewey, Anísio Teixeira, Paulo Freire.

 

Autor: Antenor Antônio Gonçalves Filho

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